Ao ler o termo demônio, talvez seja possível que muitos leitores façam certa confusão de sua origem ou até mesmo da sua natureza, já que várias são as referências encontradas no mundo atual que os tornam envoltos até mesmo a questões míticas. Fato é que não é fábula ou conto de terror.
Primeiramente, é importante entender que a palavra anjo é nome de ofício, função e não de natureza. Anjo em grego é ἄγγελος, e significa mensageiro. Os anjos são entidades reais, capazes de atos de inteligência e vontade. Por serem puramente espirituais, são superiores aos homens, mas infinitamente inferiores a Deus. São entes criados, por isso distintos de Deus e inferiores a Ele.
Assim sendo, estes seres, antes de serem confirmados em graça, passaram por um estado de provação, mas, como os anjos são puros espíritos, os únicos pecados que poderiam cometer são o de orgulho e inveja. E, de fato, o pecado de Lúcifer foi justamente o da soberba, na medida em que pretendeu ser como Deus, não por igualdade de natureza, mas por certa semelhança, pecado ao qual ele mesmo, por inveja, arrastaria nossos primeiros pais: “Sereis como deuses!” (Gn 3, 5).
Ao falar de Deus, no início da Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino responde à questão se Deus está em todas as coisas. Ele diz: "Ademais, os demônios são realidades. No entanto, Deus não está nos demônios, pois não existe união entre a luz e as trevas. Deus está em todas as coisas, não como uma parte da essência delas, ou como um acidente, mas como o agente presente naquilo em que age.”. Sendo Deus o ser por essência é necessário que o ser criado seja seu efeito próprio, como queimar é efeito próprio do fogo. Enquanto uma coisa possui o ser, é necessário que Deus esteja presente nela, segundo o modo pelo qual possui o ser. O ser é o que há de mais íntimo e de mais profundo em todas as coisas, pois é o princípio formal de tudo o que nelas existe, como já se explicou. É necessário, então, que Deus esteja em todas as coisas e intimamente. (cf. Suma Teológica I, q. 08, a. 1)
Assim, a presença de Deus nas coisas não é como se Ele fosse uma espécie de fluido. Ele está intimamente presente, está na raiz, no próprio ser das coisas. Este é um ato de amor de Deus, pois Ele age de maneira gratuita. Assim, se uma realidade existe é porque Deus a está sustentando porque a ama. Sem o sustento de Deus, as coisas cairiam no nada, no não-ser.
Há uma frase do padre jesuíta Vivente Garmar que assim diz: "Se Deus fosse capaz de dormir, Ele acordaria sem as coisas, ou seja, as coisas existem porque Deus as está pensando neste momento, e a consequência disso é que quando o homem peca, o faz no exato momento em que Deus o está amando, pois o está sustentando.
Refletindo que Deus está presente no homem em todos os momentos e que essa é uma presença ativa, amorosa, de sustentação, sem a qual ele cairia no nada, pode-se inferir que, nesse sentido, Deus ama também o diabo, pois, o ama enquanto natureza criada, a natureza dele vem de Deus, mas, segundo Santo Tomás de Aquino, Deus não está na deformidade da culpa presente no diabo, portanto, não está na maldade, que foi criada pelo próprio Satanás. Não existe amizade entre Deus e Satanás, pois, para existir amizade é preciso um amor que é oferecido e um amor que é correspondido, uma reciprocidade. Ora, Satanás odeia a Deus no exato momento em que é amado por Ele. Isso significa que, de alguma maneira, o amor de Deus está presente também no inferno, mas não como uma correspondência de amizade, mas enquanto Deus - fiel - que sustenta o ser e não se arrepende de tê-lo criado.
O que foi colocado sobre o diabo pode ser aplicado também ao homem, já que o pecado faz com que o ser humano perca o estado de amizade com Deus. Enquanto para o diabo não há mais tempo, para o homem ainda é possível arrepender-se. Ao revoltar-se contra Deus, o ser humano comete um ato de suicídio e é por isso que o inferno é chamado de 'morte eterna', pois é uma morte que não morre, morte que não acaba mais, é um ato de suicídio contínuo e eterno.
Embora permaneça um mistério, a permissão divina da ação demoníaca no mundo é uma das formas por que Deus sabe, em sua imensa sabedoria, tirar do mal bens muito maiores, porque Ele tudo faz concorrer para o bem dos que o amam (cf. Rm 8,28). Portanto, o questionamento não deve ser como Deus permite o mal no mundo, mas sim, como o homem, tendo toda a liberdade para fazer o bem e promover a paz, ainda permanece optando pela guerra e pelo mal? Que possamos, portanto, fazer das nossas escolhas um caminho da verdadeira santidade!
FONTE: RICARDO, Padre Paulo. O que todo católico precisa saber sobre os anjos. Cuiabá: Instituto Padre Pio,2021. Disponível aqui.