Apesar de ser a única certeza acerca da vida, é inegável que a morte não seja muito lembrada pela maioria das pessoas, afinal, mesmo sendo certa, é algo que poucos querem refletir sobre essa realidade. Mas, como cristãos, somos encorajados a não temê-la e, mais ainda, a acreditar que através do fim terreno, seja possível vislumbrar a glória do céu. Todavia, a reflexão acerca do fim não deve ficar restrita à alma, já que o corpo, que nos serve de morada, é o nosso templo. Há algo inexplicavelmente profundo no corpo, mesmo sem vida e enterrado, já que ele recorda ao homem sua mortalidade, ao mesmo tempo que sugere algo transcendente sobre a condição humana.
Decerto, a Igreja não aprova a cremação; ela a permite, entretanto, houve um tempo que, de fato, a Igreja proibiu a cremação dos corpos. Isso ocorreu logo após a Revolução Francesa quando as pessoas, descrentes da vida eterna e da ressurreição dos mortos, incineravam os cadáveres a fim de comprovar que não haveria jeito de Deus ressuscitar ninguém. Contudo, com o passar dos séculos, o perigo dessa extrema irreligiosidade desapareceu em parte e o clima de protesto, usando a cremação como mote, também acabou. Por isso a proibição cessou, e o Papa Paulo VI, em 1963, publicou a Instrução do Santo Ofício “Piam et constantem”, versando sobre o assunto, e colocando que a incineração do corpo não atinge a alma e não impede a onipotência de Deus de restituir o corpo.
A preocupação cristã com os cadáveres impressionava muitos povos antigos que a consideravam repugnante, uma vez que os cristãos honram os mortos, visitam seus túmulos, guardam seus ossos, e até os veneram e beijam! Mas esses atos de devoção só eram possíveis graças à doutrina cristã sobre a ressurreição, que tributa uma grande estima ao corpo humano, mesmo o corpo morto, pois ele ressuscitará um dia e será renovado. Às vezes era muito difícil convencer um pagão que se convertia a abandonar suas certezas funerárias; Carlos Magno, o convertido que se tornou o primeiro Sacro Imperador Romano, fez da cremação um crime de pena capital!
Depois do império de Carlos Magno, “nenhum outro país ou poder europeu baniu ou permitiu explicitamente a cremação. Não era necessário fazê-lo. Ninguém queria ser cremado”. Então, a cristandade permaneceu de pé por um milênio. Foi somente no século XIX que diversos grupos começaram a resgatar o interesse pela cremação. Muitos de seus defensores eram ateus e anticristãos declarados. Alguns utilizavam razões sanitárias para argumentar a favor da cremação. O sepultamento também foi se tornando cada vez mais caro, às vezes atingindo valores proibitivos. Finalmente, o mundo atual encoraja a disseminação da cremação, já que outras tradições religiosas (o hinduísmo e o budismo, por exemplo) normalmente queimam seus defuntos.
Quando Jesus morreu e ressuscitou dos mortos, Ele foi visto não como uma aparição sem corpo, mas como um homem glorificado, e os sacramentos, particularmente a Eucaristia, são os meios para vivenciarmos essa união com o corpo ressuscitado de Cristo. Na verdade, como o sacerdote diz na epiclese, pão e vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo. Na Missa, nós entramos em comunhão com Cristo não apenas espiritual, mas fisicamente. O teólogo Scott Hahn explica: “A transubstanciação é, com efeito, uma espécie de fusão nuclear. Ela põe em movimento um processo que criará algo completamente novo: um novo nós”.
Assim sendo, não se deve abordar o assunto de forma imperativa ou categórica, porque é imprescindível que haja as ponderações necessárias a serem feitas, para que o ato e efeito de escolha para uma forma ou outra não seja de maneira leviana. Os aspectos sanitários não devem ser desprezados, assim como também é importante ponderar que a carne não deveria ser pensada pelo viés negativo, já que Deus se dignou a assumir um corpo para si. E para nós, católicos, cabe a certeza da boa consciência em todas as nossas ações, já que somos sempre chamados a propagar a mensagem da vida eterna que Cristo conquistou para todos nós.