Eis um filme de suspense, ação e tentativamente psicológico nas suas três partes de crescendo emocional que, mesmo com o ritmo adequando impresso às mesmas, não convence senão esporadicamente. De facto, é demasiado estilizado, dócil, controlado, sem exploração profunda das personagens e que, apesar do seu contorcionismo para o evitar, coloca quem o vê sempre dois passos à frente do que vai ocorrer. Mas se não convence, “A filha do Rei do Pântano” vence através da sua concisão e estilo polido.
Mas não é só pelo dito acima que somos vencidos, mas muito mais pela sua materialização. São as atuações de Ridley (implosiva e explosiva na força subtil da sua transformação, mas demasiado refinada para ser uma “predadora”) e Mendelsohn (frio, calculador, assustador e delirante apenas sendo aquilo que o guião lhe pede) que o elevam a um nível superior. A edição cortante não lhes fica atrás e articula-se bem com o ar pantanoso, seja o natural (com os seus verdes suados), seja o técnico (com os ângulos dramáticos das câmaras).
Sendo pai, custa dizer o que vou referir, mas é a verdade: o meu filho (possa ele viver mais do que o já idoso pai) terá que sobreviver-me. Terá que triunfar sobre as diversas feridas que lhe causei, ao tentar ser o melhor pai possível – o que, se calhar, só reconhecerá daqui a muitos anos. Terá que deslindar (mesmo que me odiando) que os “cortes” que lhe fiz no dorso foram abertura para as “asas” que lhe permitirão “voar” a amar no meio de uma visão correta e deturpada de quem fui, do que lhe fiz e porquê.
Gostaria – quem não gostaria? – que ele, na sua busca do lugar onde poderá amar mais e melhor, me recordasse pelo meu coração, que só se conhece, não em público, mas quando estou em soledade com Deus. Quando estou a fazer a vivência de que Jesus veio fazer a experiência do humano, não para julgar, mas para ser julgado; não para pesar numa balança os nossos pecadilhos e virtudezinhas, mas para mostrar que essa balança é Ele a sofrer de amor, de modo a sermos capazes de fazer do sofrimento, fruto do criarmos com Deus-Amor, um ensejo de amarmos na alegria de viver a acolher a todos.
Sei que, talvez como todos nós e como vemos em “A filha do Rei do Pântano”, o meu filho viver-me-á entre a realidade e a fantasia, tentando reconciliar essas duas dimensões, sendo que se o lograr quiçá desenvolva uma generosidade maior também fruto do aceitar, com uma bondade e uma misericórdia crescentes que não merecerei, as minhas limitações, ausências e “linhas vermelhas” muitas vezes enigmáticas para ele.
Quando estamos a ver um pôr-do-sol, sozinhos e tristes ou com quem amamos e felizes (ou vice-versa), ficamos “dourados”. É o mesmo quando a “parteira” morte vem ao nosso encontro. Não desviemos o olhar dela: tem muito para nos ensinar, sobretudo a nível do desapego com que devemos utilizar o que está ao nosso dispor para nos aproximarmos de Deus juntamente com quem amamos, nem que apenas unidos pelos fios crísticos do coração.
Eis a libertação da nossa liberdade no oceano mais fundo da nossa realidade. Não por uma moral de regras e de defesa, mas por um “sim” aos requisitos do amor vivido numa duração que é um navio e não uma estadia. Viver a apoiar e a preparar para a vida, também cristã, aqueles que Deus nos deu para velarmos como filhos e filhas é um modo de vivermos a morrer no Ressuscitado, soltos nas lágrimas entre o tempo e a eternidade.
(EUA; 2023; dirigido por Neil Burger; com Daisy Ridley, Ben Mendelsohn, Brooklynn Prince, Gil Birmingham, Garrett Hedlund e Caren Pistorius).