Desde a publicação, nos anos 1980, de seu diário e de algumas cartas, Etty Hillesum nunca deixou de despertar interesse e curiosidade, a ponto de se tornar um exemplo para o nosso tempo. O dominicano Yves Bériault explica por que e como essa jovem judia holandesa pode nos ensinar a rezar.
Etty é uma garota inteligente, culta e "moderna". Ela sente dentro de si um vazio existencial profundo e tem a tentação de acabar com ele, de fugir dessa realidade interior que se tornou insuportável, principalmente porque os acontecimentos externos são avassaladores. Ela tem consciência de não saber amar como gostaria, de ter conflitos com os pais - principalmente com a mãe. Ela quer sair do seu egocentrismo e dessa falta de direção que a angustia e deprime, mas não tem certeza de como. Então ela decide buscar ajuda. E é a pedido de seu terapeuta que ela começa a meditar meia hora por dia, todas as manhãs. Julius Spier a convida a se abrir para esta vida interior que a habita, ainda que, por enquanto, seja um lugar de tensões e medos.
Sim, a meditação a leva a saborear as coisas, a experimentá-las, a acolher a vida que a envolve, em vez de tentar analisar e julgar tudo. Estes momentos de meditação tornam-se uma ginástica diária, onde ela se recarrega e que chama de "hora da paz".
Ainda não, mas essa acolhida da vida se tornará gradativamente a acolhida de Deus que é Vida. O objetivo do exercício será "trazer um pouco de Deus para dentro de você", nas palavras dele. Etty chegou a duvidar de sua capacidade de amar, e agora ela conseguia sentir o gosto de um amor que gradualmente saia dela mesma, levando-a a abrir os olhos para a angústia do mundo. Esta metamorfose é uma conversão real: Etty gradualmente se entrega à ação de Deus, a esta nova intimidade de alguma forma a salva de si mesma e de uma espiral de morte.
Essencial. Este recurso em que ela reconstrói as suas forças não encontra trégua: “É como se algo em mim se concentrasse numa oração contínua, não paro de rezar dentro de mim, mesmo quando rio ou faço piadas". Uma oração do coração, intensa, incessante, à procura de Deus nas menores vias do drama que se desenrola à sua volta. Etty encontrou ali a coragem e a paz profunda que lhe permitiram enfrentar a turbulência de uma época diferente de todas as outras vistas anteriormente na Europa.
Etty é judia, embora não praticante. Ela nunca citará o nome de Cristo, embora se possa presumir que ela é habitada por Ele. No entanto, encontramos em sua oração todas as formas e os diferentes "modos" de oração cristã. O que me comove é constatar que a oração nasce em seu interior porque ela se reconhece pobre. Ela tem consciência da sua fragilidade e da fragilidade dos seus meios. É por isso que ela se coloca totalmente nas mãos de Deus.
Em qualquer lugar. Ela menciona isso quando ouve falar a primeira vez sobre o grupo de carmelitas que acabavam de chegar a Westerbork, incluindo Edith Stein, uma judia alemã que se converteu ao catolicismo. Ao saber que religiosos passeavam entre os quartéis ao passo que rezavam o rosário, ela escreveu: “E não é verdade que podemos rezar em qualquer lugar, tanto em uma cabana de madeira como em um mosteiro de pedra, e de forma geral em qualquer lugar da Terra onde agrade a Deus, nesta época conturbada, lançar suas criaturas?"
Exatamente. Poderíamos dizer que ela ora da mesma forma que respira! E a alegria se torna um componente fundamental desta oração, apesar das tempestades: “Acho a vida bela e me sinto livre. Em mim se espalham os céus, tão vastos quanto o firmamento acima de mim”. Quando Etty deixa o acampamento de Westerbork para Auschwitz, ela se torna uma mística, embebida de Deus. Um "aleluia" sobe continuamente aos seus lábios, como uma canção vinda do coração. A sua oração é agora incessante, com esta consciência viva de que Deus está com ela e de que ela está com ele, por mais profundas que sejam as trevas em que mergulhe, até à oferta final de sua vida.
Entrevista por Luc Adrian