Ele foi morto porque não quis falar o que não devia; mas a sua língua, incorrupta, “falou” tudo o que devia ser dito sobre o seu santo martírioO segredo da confissão é inviolável. E o preço que um sacerdote fiel pode pagar por essa inviolabilidade é a vida.
Foi com a vida que o mártir da confissão, São João Nepomuceno, defendeu até as últimas consequências o segredo das confissões que ouvia dos fiéis confiados a ele – inclusive as da rainha, mesmo quando os ciúmes doentios do rei tentaram forçá-lo a revelar o que nem sequer existia.
Mas vamos à história.
Um sacerdote inspirado
João nasceu na cidade de Nepomuk, em um dos vales da Boêmia, atual República Tcheca, por volta de 1345. É do nome da cidade natal que lhe veio o apelido de Nepomuceno. Ordenado sacerdote e nomeado pároco, ele prosseguiu os estudos de direito eclesiástico na Universidade de Praga e se doutorou em direito canônico em 1387 na cidade italiana de Pádua. Voltando a Praga, foi nomeado cônego da catedral de São Vito e vigário geral da arquidiocese, tornando-se, desta forma, um importante homem público. Seus sermões causaram intensa mudança positiva nos costumes da população, o que levou a rainha a torná-lo seu confessor e diretor espiritual. Já o rei…
A doentia desconfiança do rei
O rei Venceslau IV era outra história. Violento e propenso a fulminantes ataques de fúria, ele começou a alimentar uma teimosa e infundada desconfiança em relação à fidelidade da esposa. Não encontrava nada que comprovasse as suas dúvidas, mas insistia na desconfiança a ponto de convocar o confessor e exigir que ele contasse, em detalhes, o que a rainha lhe confidenciava no confessionário. Espantado tanto com a doentia desconfiança do rei quanto com a ordem inaceitável de violar o segredo da confissão, o pe. João se recusou com firmeza a obedecer a tal capricho.
Martírio nas águas do rio Moldava
Completamente destemperado, o rei mandou torturarem brutalmente o fiel sacerdote, que, suportando sofrimentos pavorosos, se manteve irredutível. Sua postura só aumentou a fúria do soberano.
Vendo que não conseguiria forçar o padre a trair o seu compromisso sagrado, o rei mandou amarrará-lo e atirá-lo da Ponte Carlos, até hoje a mais importante e famosa de Praga. O mártir do sigilo sacramental entregou a alma a Deus e, jogado covardemente às águas do rio Moldava, morreu afogado na noite de 20 de março de 1393.
As crônicas tradicionais destacam que o assassinato foi perpetrado à noite para não chamar demasiada atenção do povo, que era profundo admirador do arcebispo. Mas essa intenção se malogrou quando o corpo foi encontrado, porque dele emanava uma espécie de luminescência que bem indicava de quem se tratava.
A versão do rei
O brutal assassinato de um homem tão conhecido e estimado chocou a cidade. O rei, é claro, não queria revelar o motivo da morte criminosa do pe. João e divulgou sua própria versão para justificar a sentença: desobediência. Segundo essa alegação, o vigário geral tinha se oposto à intenção do rei de suprimir a prestigiosa abadia de Klandrau e transformá-la numa nova sede episcopal (que seria entregue a um membro de sua corte).
Algumas crônicas oficiais do reino até reproduziram essa versão, mas muitas outras referiram o real motivo (cf. “Instructions for the King“, de Paul Zidek, 1471, in “Zeitschrift für kathol. Theologie”, 1883, 90 sqq.; “Chronica regum Romanorum”, 1459, de Thomas Ebendorfer; “Scriptores rerum Prussicarum”, III, Leipzig, 1860, 87).
O mártir venerado pelo povo
Sepultado na catedral da cidade, o pe. João Nepomuceno começou rapidamente a ser honrado pelo povo como um mártir. A veneração ao sacerdote que tinha defendido o segredo da confissão até a morte foi mencionada na carta de acusação ao rei, apresentada pelo arcebispo João Jenzenstein ao Papa Bento IX.
O milagre da língua viva
Beatificado pelo Papa Inocêncio XIII em 1721, João Nepomuceno teve o processo de canonização iniciado em julho de 1722 sob o grande apelo dos fiéis. Em 27 de janeiro de 1725, um professor de medicina e dois cirurgiões exumaram os restos mortais do mártir na presença de uma comissão de autoridades eclesiásticas, em cuja presença ocorreu um fato extraordinário.
O corpo estava desfeito pelo tempo, mas a língua, apesar de ressequida, estava inexplicavelmente conservada. Não só isso: diante de todos, ela começou a recuperar a cor rósea, como a língua de alguém vivo. João Nepomuceno tinha sido morto porque não queria falar o que não devia falar; mas a sua língua, incorrupta, “falou” o que precisava ser dito sobre o santo mártir que tão bem soubera guardá-la. Este foi o quarto milagre registrado no processo de canonização.
Em 19 de março de 1729, na basílica romana de São João de Latrão, o Papa Bento XIII o beatificou, elevando-o solenemente à honra dos altares. São João Nepomuceno é o mártir do sigilo da confissão e sua festa litúrgica é celebrada pela Igreja no dia 16 de maio.