Charles de Foucauld foi grande devoto do mistério da Encarnação (cf. Lc 1,26-38). A Encarnação de Jesus Cristo, Nosso Senhor, é, como se sabe, o segundo maior mistério da fé cristã, já que o primeiro é o da Santíssima Trindade.
O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ensina que “a Igreja chama de ‘Encarnação’ o mistério da admirável união da natureza divina e da natureza humana na única Pessoa divina do Verbo. Para realizar a nossa salvação, o Filho de Deus se fez ‘carne’ (Jo 1,14), tornando-se verdadeiramente homem. A fé na Encarnação é sinal distintivo da fé cristã” (n. 86). Logo em seguida, ilustra, de modo sintético, tal mistério com as seguintes palavras: “Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem, na unidade da sua Pessoa divina. Ele, o Filho de Deus, que é ‘gerado, não criado, da mesma substância do Pai’, fez-se verdadeiramente homem, nosso irmão, sem com isso deixar de ser Deus, nosso Senhor” (n. 87). A Igreja exprime, pois, o mistério da Encarnação “afirmando que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, com duas naturezas, a divina e a humana, não confusas, mas unidas na Pessoa do Verbo. Portanto, na humanidade de Jesus, tudo – milagres, sofrimento, morte – deve ser atribuído à sua Pessoa divina, que age através da natureza humana assumida” (n. 89).
Bondade de Deus
Pois bem, o mistério da Encarnação é essencial na espiritualidade de Charles de Foucauld. Daí, ele escrever, em 6 de novembro de 1897, esta belíssima reflexão: “A Encarnação tem sua fonte na bondade de Deus, mas uma coisa logo se destaca, tão maravilhosa, tão brilhante, tão surpreendente que brilha como um sinal fascinante: é a humildade infinita que tal mistério encerra... Deus, o Ser, o Infinito, o Perfeito, o Criador todo-poderoso, Imenso, Mestre soberano de tudo, ao fazer-se homem, unindo-se a uma alma e a um corpo humanos e aparecendo na terra como um homem, e como o último dos homens [...]. Para mim: buscar sempre o último dos lugares, para fazer-me tão pequeno quanto meu Mestre, para estar com Ele, para segui-Lo, passo a passo, como servo fiel, discípulo fiel [...] para viver com meu Deus que viveu assim toda a sua vida e me dá um exemplo tão grande no seu nascimento” (Irmãzinha Annie de Jesus. Charles de Foucauld: nos passos de Jesus de Nazaré. São Paulo: Cidade Nova, 2004, p. 37).
E mais: numa meditação, em junho de 1916, ano de seu assassinato, Foucauld escreveu sobre Nosso Senhor: “‘Ele desceu com eles e foi para Nazaré’: por toda a sua vida, Ele só desceu, desceu ao encarnar-se, desceu ao fazer-se filho, desceu ao obedecer, desceu ao fazer-se pobre, abandonado, exilado, perseguido, supliciado, ao colocar-se sempre no último lugar” (idem, p. 38). A isso a Irmãzinha Annie de Jesus acrescenta que há, nessas meditações sobre o mistério da Encarnação, a “intuição central da fé do irmão Carlos, profundamente de acordo com os dados da revelação cristã. Como deixar de pensar no Servo de Isaías, sempre tão evocado na primeira pregação apostólica, ou em São Paulo, que também falou do Servo na Carta aos Filipenses?” (Ibidem).
Mistério da fé
Se a fiel recordação do mistério da Encarnação, tema da Bula de proclamação do Jubileu do ano 2000, por São João Paulo II (cf. Incarnationis mysterium, 1998), é deveras importante para todo católico, reveste-se, como se vê, de um sentido ainda maior para o eremita de Charles de Foucauld, pois aí está um dos pilares da sua vida consagrada. Importa-lhe celebrar bem 25 de março (Anunciação/Encarnação) e, a cada dia, no Angelus (fora do Tempo Pascal), inclinar – de modo consciente e não meramente mecânico –, a cabeça ao dizer: “E o Verbo se fez carne...”. É da vivência deste grande mistério da fé que deve resultar – entre outros frutos concretos – a humildade a ser cultivada, de modo constante e com bom humor, pelo eremita.
A título de conclusão, citemos o Pe. Leonardo de Sales quando escreve que “a humildade é um eficaz remédio contra o egoísmo, que dificulta a alegria. O humilde não teme o fracasso, pois não espera nada em sua vida além da realização da vontade plena do Senhor” (O Cristo de Charles de Foucauld. São Paulo: Palavra & Prece, 2010, p. 47).
Que Deus nos ajude, portanto, a bem viver, no dia a dia, o mistério da Encarnação!