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O povo de Deus caminha da Trindade para a Trindade

Santíssima Trindade
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Don Emanuele Bargellini - publicado em 04/06/23
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Nós, enquanto vivemos o processo de transformação em homens e mulheres renovados pelo seu Espírito, junto com toda a realidade da nossa história, constituímos o “templo vivente” no qual mora a Santa Trindade

“Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo”.

“Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espirito Santo. Amém

Eis duas pequenas orações, com as quais todo católico tem familiaridade desde a infância. Simples e diretas na própria formulação, mas sublimes e misteriosas no seu significado. Elas constituem de fato duas profundas profissões de fé, que abrangem e iluminam o sentido da vida de todo/a filho/a de Deus, bem como do inteiro povo de Deus, na sua própria origem, no seu desenvolvimento e no seu fim. O povo de Deus tem sua origem, seu modelo de vida e a meta da sua história, na Santa Trindade.

Fonte única e inesgotável da vida

Com a expressão “Em nome do Pai...”, segundo a linguagem bíblica, proclamamos que a nossa vida inteira é dom de Deus, Pai, Filho e Espirito Santo, e que neles temos nosso ambiente vital e nosso fim. Eles são a fonte inexaurível de vida e de amor, da qual recebemos tudo na vida. 

Este rio da vida divina à qual nós participamos, corre numa relação fecunda e ininterrupta com a sua fonte trinitária, que faz-nos crescer graças à energia vital que continuamos recebendo através da presença do Espirito Santo. É o Espírito que anima e acompanha o processo de amadurecimento da vida divina em nós e antecipa sua plenitude. 

A misteriosa unidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo, atrai toda a família humana à uma verdadeira comunhão com Deus, que é comunhão trinitária. Da mesma forma, a igreja é vista, como diziam os antigos Padres da igreja, como “o povo de Deus, unido na unidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo”. Esta visão da igreja foi reproposta pelo Concilio Vaticano II, no documento fundamental sobre a igreja, Lumen Gentium n. 4. A perfeita comunhão existente na Santa Trindade é o mistério a partir do qual a santa igreja nasce, e rumo ao qual caminha pela ação do Espirito Santo, procurando fazer vigorar um “estilo de comunhão” entre os diversos dons, as diferentes pessoas e os grupos sociais e religiosos. Esta é a vontade e o mandamento de Jesus, por cujo cumprimento ele rezou, e continua intercedendo junto do Pai (Jo, 17, 1-26).

A cruz de Cristo árvore da vida

Desta visão de fé, se originou a prática de iniciar nossas ações mais importantes ao longo do dia, e não só as celebrações litúrgicas, com a invocação “Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo”. Com esta invocação pedimos que nossas ações se realizem segundo sabedoria e coração da Trindade. Muitas vezes, esta pequena oração é acompanhada pelo sinal da cruz, traçado sobre nosso corpo. Indicamos assim, que a comunhão divina da qual gozamos, e à qual aspiramos, a recebemos pela intercessão de Cristo, o Filho amado do Pai e nosso irmão, que nos deixou o Espírito Santo como nosso defensor.

Para o louvor de Deus

A oração “Gloria ao Pai...” exprime a atitude interior que somos chamados a ter, para que nossa existência seja um agradecimento e um canto de louvor ao Senhor, por todos os benefícios recebidos da sua generosidade, iniciando com os dons da vida e da fé que determinam toda nossa existência. 

A comunhão que vivemos entre nós, é reflexo da comunhão de vida e de amor, que une em misteriosa unidade, o Pai, o Filho, e Espirito Santo, e que é alimentada pela incessante ação do Espirito. Ao mesmo tempo, a comunhão que conseguimos realizar enquanto caminhamos na fé, mesmo na sua parcialidade, constitui o fundamento da nossa esperança de gozar um dia a plenitude do dom de Deus. Comunhão entre os membros do povo de Deus, no estilo da Santa Trindade, que é dom de Deus, vocação, desafio, esperança...

A participação em plenitude à vida intima da Santa Trindade, é o dom supremo. Para partilhá-la o Verbo de Deus se fez carne e armou sua tenda no meio de nós (Jo 1,14). Jesus realizou e nos revelou este mistério com sua vida (Jo 1,18; 17,25), até o dom de si mesmo na cruz, e com seu evangelho. Rezou ao Pai que enviasse o Espirito Santo, para que esta dupla comunhão, nossa com o Pai e entre nós, pudesse se realizar. Pai santo, eu não rezo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela sua palavra...para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti...para que eles sejam um, como nós somos um (Jo 17, 20; 22).

Redescobrir esta relação misteriosa e abrangente com o mistério de Deus-comunhão que se doa em perfeita gratuidade, exige uma profunda conversão de mentalidade. Nós, diversamente, estamos acostumados a uma relação mais “mercantilista” com o Senhor e “individualista” entre nós.

A Constituição Lumen Gentium se abre com a afirmação: Desta maneira a igreja toda aparece como o povo reunido na unidade do Pai, e do Filho e do Espírito Santo (LG 4). Enquanto o capítulo final conclui: Todos, redimidos no sangue de Cristo...congregados numa só igreja, em um só cântico de louvor, engrandecemos o Deus Uno e Trino (LG 49). A comunhão vital com a Santa Trindade está no início e no fim da trajetória histórica da igreja peregrina. Constitui o âmago do mistério da igreja e o fundamento do caminho espiritual de cada pessoa.

O Batismo: raiz da comunhão com Deus e da fraternidade

Pelo Batismo e pela fé, o discípulo de Jesus nasce para uma existência nova. Quando fomos acolhidos na comunidade com o batismo, foram proclamadas sobre cada um de nós estas palavras de fé da igreja: Eu te batizo, em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. No sentido literal, como diz o verbo “batizo” na antiga língua original, a igreja pela graça do batismo, nos mergulha nas águas batismais, enxertando-nos na comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espirito Santo. A Santa Trindade constitui nosso âmbito vital, desde o inicio ao fim do caminho do cristão. O batismo marca o primeiro passo do processo vital, que nos tornará progressivamente “cristãos”, conformes a Cristo. Somos chamados à mesma experiência e estilo de vida pascal de Jesus. Esta, é a nossa nova identidade e o nosso destino (Mt 20, 24-28). O referir-se de cada um e da história inteira a Cristo, como à sua origem e ao seu cumprimento, está ao mesmo tempo nas suas raízes e início, bem como no seu cumprimento final.  

O caminho cotidiano, mesmo com todos seus limites, torna-se lugar de experiência antecipada da plenitude, à condição que se exercite o sábio “discernimento espiritual” sobre as coisas e as situações, alimentado na oração filial e perseverante (Lc 21, 34;36). São exigidas algumas atitudes interiores importantes: a abertura para com as “visitas” e as surpresas de Deus, o desejo apaixonado da sua amizade e intimidade, e o sentir a necessidade que o Senhor entre na nossa vida e a dirija. 

Contemplar e viver a história com o coração de Deus 

O Concílio Vaticano II afirma que é preciso recolocar a igreja no mistério da sua relação com Deus, e na luz da sua missão de testemunha para o mundo. É preciso contemplar o mistério da igreja à luz do mistério da salvação do Verbo feito carne, e da sua missão na história junto com a família humana, para conduzir todos para à casa do Pai. (Jo 1,14) (cf. LG, cap I, O mistério da igreja, n. 1- 8). 

O apostolo Paulo diz na sua carta aos Efésios que todo o processo de salvação do ser humano, reflete a dinâmica trinitária, que se origina na gratuita iniciativa de Deus Pai, e termina no louvor e gloria da sua graça (Ef 1, 1-14). Tudo se inicia pela benção do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (Ef 1, 3), que nos escolheu para sermos seus filhos/as adotivos/as por Jesus Cristo (Ef 1, 4-5), sendo selados pelo Espírito Santo, que é penhor da nossa herança (Ef 1, 13-14), para o seu louvor e glória (Ef 1,14). Com o apostolo, contemplamos este admirável movimento: Do Pai – Pela mediação de Cristo – Na ação do Espirito Santo. A existência do batizado se torna, assim, uma existência “sacerdotal/sagrada”, culto agradável a Deus (Rm 12, 1-2), na medida que se deixa transformar e guiar pelo Espírito (cf Rom 8, 14-15).  

Por sua vez, a santa igreja, na conclusão da grande Oração Eucarística, símbolo eminente da sua fé, nos convida a nos unirmos ao seu canto de louvor: Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espirito Santo, toda honra e toda gloria, agora e para sempre. Amém!

O dinamismo da igreja em caminho na história  

Que imagem de igreja se destaca a partir desta relação vital com a Santa Trindade? Que modelo de caminho espiritual se configura para cada um dos seus membros?

A Lumen Gentium retoma várias imagens bíblicas para indicar a igreja e cada membro seu, a caminho para o reino de Deus, sob o impulso do Espírito (LG 6-8). Uma é particularmente significativa para nosso contexto: a relação dinâmica da igreja com Cristo seu Esposo, que se dá pela ação do Espirito Santo. Pela força do evangelho, o Espírito rejuvenesce a igreja, renova-a perpetuamente e leva-a à união consumada com seu esposo (S. Irineu, Contra os hereges, III.24,1. O autor inspirado do Apocalipse acrescenta: O Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: “Vem” (Ap 22,17).

Do conjunto das imagens evocadas pelo Concilio, se poderia destacar algumas características constitutivas da identidade, do estilo de vida, e da missão da igreja, mais pertinentes com a igreja do nosso tempo:

- A igreja, gerada pelo dinamismo da Santa Trindade, e nela mergulhada, é em Cristo, sacramento universal de salvação (LG 1); 

– É manifestação, embora limitada, da unidade das pessoas da Santa Trindade e da comunhão das pessoas humanas com Deus e entre si mesmas: De fato, tu vês verdadeiramente a Trindade, se vês o amor (Santo Agostinho, De Trindade, VIII,8.12). Cada cristão vive isso por graça, pela misteriosa mediação de Cristo e através do ministério da igreja

- É totalmente orientada para fora de si mesma: para Deus, - sua nascente e seu fim - e para os seres humanos, destinatários da sua missão. 

- É lugar privilegiado de comunhão, pela sua origem da comunhão divina e seu destino de chegar à plenitude no seio da Trindade. Esta função privilegiada, tem que moldar sua estrutura de múltiplos carismas e ministérios, promovendo liberdade e responsabilidade. Deve formar seu estilo de acolhida e serviços para com todos, com especial atenção aos mais pobres e marginalizados. Precisa que, no desenvolvimento da sua missão evangelizadora, todos os homens/mulheres sintam-se chamados à união com Cristo, e, por Cristo, com o Pai no Espírito Santo.

- É chamada a estar sempre aberta e atenta aos sinais do Espírito, de qualquer direção eles possam chegar. O Espirito não conhece confins e solicita a igreja a deixar-se guiar pelo caminho da mesma liberdade.

Um ponto central da pastoral de Papa Francisco é exatamente o de impelir a igreja na direção desta consciência do seu mistério de comunhão e de estilo de serviço, dentro si mesma e no testemunho da boa nova do evangelho; no nosso tempo, tão perpassado por divisões e polarizações na sociedade e na igreja.

Quando chama a igreja a “sair de si mesma”, e a tornar-se “hospital de campo”, para socorrer feridos e doentes de toda espécie, quando impele os fieis a sentir-se “povo de Deus a caminho”, convidando os pastores a sentir o “cheiro do rebanho”, seus impulsos não são só sugestões de ordem social e política. Eles têm estreita conexão com a identidade e a missão evangelizadora da igreja, na sua relação vital com a Santa Trindade, fonte universal de vida e comunhão para toda a família humana, e cada um dos seus membros, criados à imagem e semelhança de Deus. É este desejo que emana também nas Encíclicas mais diretamente sociais, politicas e ambientais, Laudato si, mio Signore (2015), e Fratelli tutti (2020), como para a Declaração de Abu Dabi, sobre a Fraternidade Universal (2019). Papa Francisco sinaliza como, para os cristãos, o mistério do amor de Deus continua a encarnar-se na história, e como os cristãos são chamados a colaborar, dando a carne da própria experiência histórica, qualquer que ela seja, ao Amor que continua a se encarnar. 

Mais recentemente, com a convocação do Sínodo dos Bispos “Por uma igreja sinodal: comunhão, participação e missão” (2023-2024), Papa Francisco vem procurando dar um impulso decisivo à autoconsciência da igreja e sua origem trinitária, de comunhão no amor. Por isso, no complexo processo de preparação, ele convocou a inteira base do povo de Deus em todas as igrejas locais, presentes mundo inteiro. 

Destacou assim, a dignidade comum e a missão que todos os batizados, no exercício dos próprios carismas e vocações, em força da própria união com Deus-Trindade, e da unidade entre as pessoas, que se realiza mediante o Espirito de Jesus Cristo. Tornar-se “sinodal”, nesse contexto, para a igreja e para os cristãos, significa aprender a “caminhar juntos” (segundo o significado original da palavra Synodo), continuando a gerar vida a partir da única fonte de vida que é a Santa Trindade, e participando ativamente, em espirito e estilo de serviço e solidariedade, à missão evangelizadora.

A boa-nova anunciada por Jesus é que o Pai, com a encarnação de seu Filho, escolheu fazer do mundo e da vida nova dos homens e mulheres abertos ao Espírito, sua habitação entre nós. Nós, enquanto vivemos o processo de transformação em homens e mulheres renovados pelo seu Espírito, junto com toda a realidade da nossa história, constituímos o “templo vivente” no qual mora a Santa Trindade.

A maneira de sentir a vida, de pensar, de realizar a própria vocação, de se relacionar entre nós e de agir na sociedade, precisa se deixar moldar por esta presença divina que nos habita e que vive no centro vital do nosso coração. É preciso que deixemos nossa consciência ser iluminada por ela, ela deve poder orientar a nossa vida em todas as suas expressões, para que a nossa vida seja uma experiência autenticamente humana.

Da Trindade para a Trindade, em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. 

Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espirito Santo. Amém.

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