“Levantei o meu jugo para vós e aprendei comigo, pois sou gentil e humilde de coração e encontrarei descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é brando e o meu fardo é leve”. Assim consta no evangelho de Mateus, capítulo 11, versículo 29. Diante de um número elevado de diferentes traduções que existem no mercado editorial ou mesmo em plataformas digitais, optei por fazer uso da versão de um grande pesquisador da Universidade de Coimbra e primeiro tradutor do Novo Testamento para a língua Portuguesa, Dr. Frederico Lourenço. Em virtude de sua dedicação há décadas acerca do grego antigo, tomo como premissa que sua tradução seja a mais fidedigna possível; e é a partir dela que destaco o versículo citado.
Antes, porém, é importante ressaltar que inúmeras são as variações interpretativas para essa passagem; apreciações desde leigos a teólogos e padres, ou seja, não há a pretensão de classificar o que é certo ou errado, mas de evidenciar o caráter linguístico da paráfrase bíblica.
Logo a primeira palavra, “levantei”, reflete mais uma questão de diferença no uso do português europeu e português brasileiro, portanto, não cabe maiores explicações; aqui poderia também facilmente substituir para o termo tomar, como em : “tomem sobre vocês o meu jugo”. Logo em seguida, Jesus usa o termo gentil e é a ele que é necessário dar mais ênfase. Se a análise for sempre baseada na etimologia da palavra, ou seja, no estudo da origem dos termos, conclui-se que gentil deriva do latim gentilis, que significa da mesma família, pátria, nação. Mas é preciso ir um pouco além e lembrar que o evangelho de Mateus, assim como todo o Novo Testamento, fora escrito em grego antigo e o vocábulo usado é Πραΰς- praús (singular), o mesmo verbete utilizado no sermão da montanha, no qual nesse mesmo evangelho, Jesus afirma: “bem-aventurados os gentis” (aqui aparece no plural – praeîs).
A tradução mais próxima para o termo seria aquele que mostra gentileza amistosa e não exercem violência sobre outrem; já o adjetivo aplicado a animais (cavalos,etc) tomaria como significado o termo “manso”, que no latim toma como tradução algo acostumado à mão”, de manus, “mão”. A gentileza que Cristo propõe não é de submissão como animais castrados; mas o entendimento pleno de saber quem é o seu Senhor e acreditar que a vossa vontade pode ser feita, porque eu, mesmo com o livre-arbítrio, escolho sujeitar-me a Deus.
A frase seguinte contém duas palavras interessantes e que ajudam no entendimento da fala de Jesus, se bem analisadas: jugo e fardo. Logo de início é preciso compreender a dimensão contextual daquele momento que se reflete na linguagem usada, e uma vez que a conjuntura da produção agrícola é predominante, os termos usados acabam também por ir de encontro desse viés. Fardo vem do grego φορτίον (phortíon) e toma como premissa desde a carga e mercadorias à colheita agrícola, levando a uma análise metafórica de algo que causa preocupação. Muitos pesos que carregamos provém da falta de fé e são essas as cargas que Jesus nos diz para jogarmos fora. Não há aqui um chamamento à vida fácil, mas a compreensão de que o fardo é a cruz exata que devemos carregar, mas seu peso nunca pode ser comparado à força e benevolência divina.
Por fim, o jugo, do Latim subjugare, “submeter, dominar”, que por sua vez vem do grego zygon, indicando uma peça de madeira que é usada para juntar dois bois. Jugo também era a denominação de uma peça de madeira em formato de forca, que os romanos utilizavam para fazer passar os inimigos derrotados em batalha. Ou seja, em sentido figurado, o jugo significa domínio, submissão, sujeição, autoridade, obediência. Portanto, se Cristo afirma que seu jugo é brando, depreende-se daqui o entendimento que se tem ao longo de todo o Novo Testamento: Deus é um juiz misericordioso, porque Seu critério de justiça não é igual ao critério humano que usa, em muitos casos, a lei física da ação e reação, mas vai muito além e contraria toda a lógica humana, dando lugar a tudo o que Ele foi, é e sempre será: amor.