Em dois artigos anteriores (Os dados do censo e as famílias brasileiras e O desafio de ter muitos filhos), vimos as mudanças demográficas pelas quais o Brasil está passando e as dificuldades objetivas que as famílias enfrentam para ter muitos filhos (poderíamos dizer, as dificuldades de ter filhos, pois mesmo famílias pequenas podem encontrar muitos problemas em nossos dias).
A Igreja lembra que as famílias numerosas são uma benção de Deus (Catecismo da Igreja Católica, CIC 2373), ainda que os esposos possam “querer espaçar o nascimento dos seus filhos por razões justificadas” (CIC 2368). Essas duas afirmações devem ser pensadas como complementares, uma não é corretamente compreendida sem a outra, mas temos a tendência de fazer interpretações relativistas ou esquemáticas. Quando fazemos isso, o que conta não é o magistério, mas sim a forma como queremos interpretá-lo.
Além disso, nosso pecado faz com que queiramos fazer juízos fáceis dos que têm uma vida diferente da nossa. Quem tem família grande tende a condenar os que têm famílias pequenas, dizendo que são egoístas e fechados á graça de Deus. Quem tem família pequena tende a condenar os que têm famílias grandes, dizendo que são insensatos ou que não entendem as dificuldades dos outros. Mas, na verdade, cada um é chamado a viver a fecundidade no matrimônio do modo que Deus lhe indica...
Um justo discernimento
Alguns anos atrás, o Papa Francisco foi muito criticado por dizer que “alguns creem – desculpem a frase – que, para ser bons católicos, devem ser como coelhos”. Como frequentemente acontece com as palavras dos papas (qualquer um deles), a frase mais impactante é citada e o conjunto da ideia é perdido. Continuando, o Papa explica que o importante é ter uma “paternidade responsável” e, para os que se prendem às dificuldades financeiras, lembra que “para as pessoas mais pobres, um filho é um tesouro [...] Deus sabe como ajudá-los [...] Mas é preciso também ver a generosidade daquele pai e daquela mãe que veem em cada criança um tesouro”. Francisco deseja nos convidar a um justo discernimento, que não é nem relativista, nem esquemático, mas que olha com amor para a realidade da pessoa e da família.
O Catecismo explana o magistério relativo á fecundidade da família e à regulação da procriação, num capítulo relativamente extenso (CIC 2366-2379), já citado acima. Numa rapidíssima síntese, pode-se dizer que a Igreja, considerando que o ato sexual tem sempre um valor unitivo (celebra o amor do casal) e procriativo (pode gerar uma nova vida, fruto desse amor), indica que o casal esteja aberto a todos os filhos que Deus lhes enviar. Pode, contudo, usar métodos naturais quando tiver necessidade de evitar a gravidez por razões justas. Esses métodos naturais se baseiam no conhecimento e no acompanhamento dos ritmos naturais da fecundidade feminina. Em constante evolução, esses métodos hoje em dia podem ser tão eficientes quanto os chamados “métodos artificiais”, como a pílula anticoncepcional, tendo as vantagens de ser mais saudável e comprometer o casal (o homem precisa conhecer e respeitar os ritmos da esposa, enquanto a pílula, por exemplo, se torna uma responsabilidade apenas da mulher). Para quem estiver interessado e tiver dificuldade de conhecer os métodos naturais, existe a Confederação Nacional de Planejamento Natural da Família (Cenplafam) – alguns não concordam com o uso do termo “planejamento”, mas trata-se de um trabalho sério e que acompanha tanto os desenvolvimentos do método quanto a doutrina católica.
Enfrentar as dificuldades
Mostrar a existência dos métodos naturais e seus méritos já é uma contribuição que as comunidades católicas podem dar para que os casais possam lidar de uma forma mais adequada com a fecundidade no próprio casamento. Contudo, não resolve um outro problema: como os casais poderão se sentir livres para terem filhos? Em nossos tempos, as pessoas pensam que não terão liberdade se tiverem filhos, que irão perder o conforto necessário e as condições de educar os filhos que já têm, que terão de renunciar a seus projetos pessoais. O medo as faz perder a liberdade de ter filhos...
O magistério da Igreja não nega essas dificuldades. Por isso reconhece a validade de se usar os métodos naturais. O problema não está aí, mas sim em se fechar à possibilidade da graça, acreditar que a própria inteligência é o único critério para determinar o que é bom e o que é mal, que Deus não pode construir uma coisa ainda melhor mesmo nas dificuldades. Na verdade, não somos chamados a ter muitos ou poucos filhos, mas sim a termos e aceitarmos aqueles filhos que Deus nos dá. Um casal pode ter condições – tanto econômicas quanto biológicas – de ter muitos filhos, outro talvez só consiga ter alguns poucos. E haverá aqueles que só poderão ter filhos adotivos, “aqueles que vieram só do amor, mas tão nossos quanto os que vieram da carne”, como dizia um amigo que, depois de ter quatro filhos, adotou um quinto...
Por isso tudo, os casais devem se ajudar mutuamente a enfrentar as dificuldades inerentes à criação de seus filhos. Algumas ajudas podem ser muito concretas, como ficar com os filhos dos amigos quando esses têm que enfrentar uma jornada de trabalho mais longa, ou mais educativas, como uma conversa entre um casal mais experiente e outro mais jovem, com dúvidas sobre a educação dos próprios filhos. A comunidade pode se organizar para esse apoio, criando, por exemplo, atividades saudáveis nas quais as crianças vão se conhecendo e adquirindo o gosto pela vida cristã, ou pode ser uma situação individualizada, como uma ajuda financeira de um casal ajuda outro numa doença.
Deus permite as dificuldades e nos dá os instrumentos para enfrentá-las. Não é garantido que “tudo acabará como nossa vontade queria”. Mas em tudo descobriremos um amor e uma beleza maiores do que descobriríamos se nos deixássemos determinar apenas por nossas ideias.
A beleza e a esperança
Perguntado sobre o aborto, Bento XVI fez uma observação que pode ser uma luz para essa questão. Reconheceu que podia haver, entre aqueles que defendiam o aborto, “um certo egoísmo”, mas também “uma dúvida sobre o futuro”. Esse talvez seja o grande problema! “E a Igreja – completava o Pontífice – responde sobretudo a estas dúvidas: a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom e também em condições difíceis a vida permanece sempre um dom. Portanto voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida. E depois, outra coisa, a dúvida do futuro: naturalmente há tantas ameaças no mundo, mas a fé dá-nos a certeza de que Deus é sempre mais forte e permanece presente na história. Portanto podemos, com confiança, também dar a vida a novos seres humanos”.
Na teoria e na prática, na postura interior e no enfrentamento dos problemas objetivos, somos chamados a ser testemunhas dessa beleza e dessa esperança.