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Quando são os escandalizados que sofrem

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 10/09/23
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Esa reflexão se deve a uma campanha de condenação a um aumento no valor de um auxílio previdenciário pago para os dependentes de um segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que esteja preso em regime fechado: o auxílio-reclusão

Indignar-se diante das injustiças do mundo é natural no ser humano e necessário para o aprimoramento da sociedade. Contudo frequentemente temos uma atitude, que eu definiria como de escândalo, que também é natural, mas não é boa nem para nós, nem para a sociedade. A indignação nos leva a tomarmos atitudes responsáveis procurando eliminar ou, ao menos, minimizar o mal. Quando ficamos escandalizados, pelo contrário, nos sentimos raivosos e desnorteados, tomamos decisões inadequadas e ficamos ainda mais angustiados e depressivos. A indignação se orienta, de modo consciente, contra aquele que causa o mal. O escândalo se orienta, sem que nós mesmos percebamos, contra nós mesmos, pois sofremos e temos ainda mais dificuldade para mudar o mundo.

Quem tem direito ao que?

Esa reflexão se deve a uma campanha de condenação a um aumento no valor de um auxílio previdenciário pago para os dependentes de um segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que esteja preso em regime fechado: o auxílio-reclusão. Antes de entrar no mérito da questão, alguns esclarecimentos. O auxílio é pago para quem contribuiu com o INSS (como no caso do auxílio-doença) e não para todos. O dinheiro não vai para o preso, que cometeu um crime, mas para sua família, esposa e filhos que não têm culpa do crime – mas que podem ser atraídos pela delinquência se não forem amparados nesse momento difícil para eles. O aumento não foi dado a esse auxílio em particular, mas ao salário-mínimo (e, portanto, a todos os demais pagamentos indexados pelo mínimo).

A promoção humana, o amparo aos fracos e aos pobres, foi, ao longo do último século, um dos maiores – senão o maior – diferencial entre os países que se desenvolveram e os que ficaram para trás no desenvolvimento. Quanto mais inclusiva é uma sociedade, quanto mais oportunidades dá a todos, inclusive aos mais pobres e fragilizados, mais se desenvolve, mais se torna segura, mais recursos dispõem para crescer. Por outro lado, sociedades onde as elites patinam em projetos individualistas, sem comprometerem-se com o bem comum, não conseguiram se desenvolver, são presas da insegurança e do crime organizado, têm suas classes médias cada vez menos favorecidas no contexto internacional.

A questão, sem dúvida, não está em atender ou não as necessidades dos mais pobres e buscar atender o bem comum. Está, isso sim, em fazer as coisas bem-feitas, como uma verdadeira promoção humana e não visando apenas ganhos políticos individuais. Uma justiça punitivista e raivosa deflagra um conflito civil cada vez maior, aumenta os custos sociais, sem melhorar a segurança efetiva das pessoas. Por outro lado, uma justiça restaurativa, que acolhe e dá perspectivas de futuro, não deixando de punir, mas punindo apenas o necessário, reduz o conflito, aumenta efetivamente a segurança e ajuda no desenvolvimento econômico e social da nação.

Mas o escândalo raivoso nos cega para os dados mais objetivos da realidade, não nos permite fazer as cobranças justas que deveriam ser feitas aos políticos, impede a construção daqueles caminhos virtuosos que levam ao bem comum. Acabamos nos tornando vítimas de demagogos, de direita ou de esquerda, que prometem “quebrar e arrebentar” os maus, mas acabam se mostrando iguais a seus adversários, “quebrando e arrebentando” a todos nós – como infelizmente temos visto no Brasil atual com excessiva frequência.

Dois escândalos

De um lado, alguns de nós se escandalizam com um auxílio necessário ao bem de pessoas inocentes, elas também vítimas de um criminoso (não por terem sido vítimas do crime em si, mas sim das decisões erradas do criminoso) – mas o que deveria nos indignar é termos prisões que não ajudam o preso a se reintegrar de forma honesta na sociedade, que não dispõem de programas laborais que permitam que ele não precise de um auxílio especial, mas possa ter um salário digno trabalhando de forma útil na prisão. Indigno não é o salário-mínimo aumentar, mas sim o fato de um auxílio que mal serve para o básico (às vezes nem para isso) ter o valor do salário de um trabalhador.

Do outro lado, outros entre nós se escandalizam com as pessoas que não reconhecem a necessidade da solidariedade e da promoção humana para a realização da justiça. Como não aceitam que as famílias dos presos precisam ser amparadas, acabam compactuando com um sistema que exclui o pobre, não lhe dá as condições mínimas de vida digna e ainda o encarcera por delitos muito menos graves do que os cometidos pelos poderosos... Negam os princípios sociais básicos do amor cristão! O escândalo não é privilégio da esquerda ou da direita. Mais individualistas ou mais solidários, mais inclinados à punição ou mais inclinados ao perdão, todos temos a tentação de nos escandalizar, de “perder a paciência” diante da realidade ou da posição dos demais.

Não se resignar, mas ser sábio

Mas, volto ao ponto inicial da reflexão, o escândalo não nos leva à superação dos problemas, apenas nos deixa mais enraivecidos e angustiados.

O oposto ao escândalo não deve ser a resignação que nos deixa sem ação. A sabedoria exige uma certa resignação com aquilo que não conseguiremos mudar, mas nos ajuda a ver os caminhos de mudança. A Dinamarca, por exemplo, é considerada o país menos corrupto do mundo atual. Contudo, tem o tamanho do Estado do Rio de Janeiro e pouco mais que um terço de sua população. Evidentemente é um país muito mais fácil e administrar que o Brasil... Temos que aceitar que não iremos tão facilmente ter um combate à corrupção eficiente como o deles. Porém, quando vemos seu exemplo ficamos sabendo que se trata de um país que foi muito pobre no passado, que desde a Idade Média a sociedade se esforça para ser solidária e construir o bem comum, que sua democracia vem do século XIX – e sempre foi defendida pela população, mesmo no período da invasão nazista da Segunda Grande Guerra. Todas essas coisas aprendemos com um discernimento tranquilo, não com um escândalo raivoso.

Medir com o metro de Deus

Para os cristãos, contudo, o pior de tudo isso é que esse escândalo afasta nosso coração de Deus, nos impede de ver o mundo com ternura e, com isso, deixamos de nos lembrar da própria ternura de Deus para conosco. “Não julgueis, para que não sejais julgados, pois com o julgamento com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Por que reparas tu no cisco que está no olho do teu irmão e não vês a vara que está no teu olho?” (Mt 7, 1-3). Muitas vezes, em nosso julgamento escandalizado, deixamos de reconhecer que não somos melhores que nossos irmãos. Pode parecer fácil não errar quando estamos numa situação que nos dá opções, mas teríamos a força moral de agir virtuosamente diante dos sofrimentos e das grandes tentações?

Mas uma das interpretações mais interessantes do texto acima é aquela que salienta o fato de que seremos medidos com o mesmo metro com o qual medimos. Ou seja, se não olhamos para o mundo com amor, ternura e perdão, não seremos capazes de perceber o amor, a ternura e o perdão de Deus por nós  – e mergulharemos cada vez mais na angústia e no sofrimento. Nesse sentido, a solução para o escândalo raivoso não é uma decisão moral de não se escandalizar, de ser mais racional ou coisa parecida. Para o cristão, o caminho passa pelo pedido para entrar cada vez mais na misericórdia de Deus, de pedir (com sinceridade) para que Ele nos acolha, nos recubra e nos proteja com o Seu amor. Descobrindo que o metro do Seu amor é que dá a verdadeira dimensão do nosso ser e dos nossos problemas, aprenderemos também a medir o outro com esse mesmo metro.

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