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Como superar as crises da alma

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Padre Reginaldo Manzotti - publicado em 07/11/23
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As almas vazias, como o próprio nome sugere, resultam de um vazio interior. E o grande erro é tentar preenchê-lo de coisas, numa luta desenfreada por dinheiro, sexo e poder

Estamos no mês de novembro, cuja temática é a busca da santidade. “Sede Santos, assim como vosso Pai celeste é Santo” (Mt 5,48), esta é a vocação de todo batizado. E esta busca da perfeição nada tem de isolamento das realidades exteriores e dos conflitos interiores que enfrentamos. Desânimo na oração, sentir a ausência Deus também são acontecimentos característicos de quem está trilhando o caminho da santidade. 

Todos nós enfrentamos crises em nosso dia a dia. Às vezes são pequenas, em outros momentos parecem intransponíveis. Com nossa alma não é diferente. Assim como a natureza sofre com períodos de estiagem, de aridez, também estamos sujeitos a sofrer com a aridez espiritual. Para superar as crises da alma é necessário entender a vida nova em Cristo. 

Na Carta aos Romanos, São Paulo nos convida a nos oferecermos, sem reservas, sem medidas, a Deus (Rm 12). O grande problema é que nós nos oferecemos a Deus, mas não nos abandonamos nas mãos do Senhor. Oferecemo-nos, mas queremos que Deus faça a nossa vontade ao invés de nós fazermos a Sua. Queremos que Deus mude para nos satisfazer. Ou, então, oferecemo-nos a Deus, mas não entregamos tudo a Ele, guardando para nós desde bens materiais até sentimentos e verdades caladas. 

Na nossa condição natural de ser humano, precisamos de Deus, temos necessidade de algo mais, porém não sabemos entregar-nos de coração escancarado, como Jesus fez, sem impor condições. Em nosso itinerário espiritual, nós vamos com reservas, não nos jogamos, não nos lançamos, não entregamos tudo. Por isso, não é raro perceber que muitos estão com a alma vazia, enquanto outros permanecem sedentos ou com a alma em aridez. 

Se há tristeza, desejo de suicídio, angústias, melancolia, tudo isso são problemas emocionais mas, com certeza, resultam da ausência da “água que dessedenta”, a mesma a qual Jesus se referiu ao dizer: “Quem beber dessa água não terá mais sede” (Jo 4,14). 

As almas vazias, como o próprio nome sugere, resultam de um vazio interior. E o grande erro é tentar preenchê-lo de coisas, às vezes numa luta desenfreada por dinheiro, sexo e poder. 

Santo Agostinho afirmou: “Tu nos criastes para Ti Senhor e nossos corações vivem inquietos enquanto não acharem repouso em Ti”. O que ele quis dizer é que em nossa natureza humana tendemos a Deus, porém, podemos nos distanciar cada vez mais se trilharmos o caminho errado. 

Uma pessoa materialista, por exemplo, sofre muito por seu apego aos bens materiais. Sempre buscando mais, acha que com isso conseguirá preencher a sensação de vazio que só faz aumentar. Do outro lado, uma pessoa avarenta também está doente, não com uma enfermidade física, mas espiritual, e não consegue livrar-se do problema. 

O Salmo 62 diz: “A minha alma tem sede de Deus, pelo Deus vivo anseia com ardor” (Sl 62,2). Isso significa que a alma, na sua natureza, tem sede de Deus. 

Uma alma sedenta nunca será saciada neste mundo, porque sempre vai procurar e querer mais, sem conseguir satisfazer-se com o que encontra pelo caminho. Na verdade, sua sede de Deus somente será saciada completamente quando voltar ao Criador e contemplá-lo face a face. 

Como expressou Santa Teresa de Ávila: “A sede exprime o desejo de algo, mas um desejo tão intenso que perecemos se dele nos privamos”. 

A sede de Deus provoca na alma a sensação de que não está completa, pois sempre falta algo. 

É como se a alma tivesse memória de onde vem e para onde vai e, por conta disso, sentisse “saudade de Deus”, o que gera em nós a esperança da volta à casa do Pai. 

Somos criaturas de Deus, viemos de Deus e nosso destino é Deus. 

A sede e a saudade que nos atrai para Deus encontram satisfação em Cristo, fonte de água viva, que chega a nós pelo dom do Espírito Santo e dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia que nos une a Ele, ameniza a saudade e nos impulsiona a ir em frente e a buscar Deus sempre mais. 

Jesus era o homem completo que acreditou, esperou e amou. Como homem perfeito que era, tinha sede e fome de Deus, como Ele mesmo disse: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar sua obra” (Jo 4,34). 

Jesus buscou Deus em todos os momentos de sua vida: aos doze anos, foi encontrado no Templo entre os doutores (Lc 2,46-49); quando estava na montanha, passou a noite toda rezando (Lc 6,12); ao amanhecer Jesus se retirou e a sós rezou (Mc 1,35); nos momentos de alegria, Ele rezou agradecendo: “Eu te louvo, Pai, porque escondestes estas coisas dos sábios e as revelastes aos pequeninos” (Lc 10,21); nos momentos de angústia e aflição buscou a Deus, pedindo: “Pai, afasta de mim este cálice” (Lc 22,41); Jesus buscou a Deus, intercedendo pelos seus na oração sacerdotal (Jo 17). 

Como homem Jesus foi sedento de Deus; como Deus Jesus é a água viva (cf. Jo 4,10). 

Nenhum de nós está livre de passar por um momento de aridez, de não sentir a consolação, de não provar a água que jorra do lado aberto de Cristo, acostumando-nos com aquela que o mundo oferece. 

Uma estafa, assim como uma fadiga ou uma doença prolongada podem resultar em aridez espiritual. Emoções muito fortes, perdas dolorosas podem igualmente desencadeá-la. Outro fator que costuma provocar aridez espiritual é o estresse causado pelo excesso de trabalho ou de compromissos, e todos nós estamos sujeitos a isso. 

O importante é saber que também podemos entrar num estado de aridez para que nos purifiquemos e isso não é negativo. 

São João da Cruz fala da aridez como sendo a “noite escura” da alma. Ao contrário do que a expressão possa indicar, não significa uma “noite traiçoeira”, mas antes um período de conflito pelo qual muitos de nós estamos passando. Ele é necessário para a vida espiritual porque purifica a nossa sensibilidade, fazendo-nos crescer no verdadeiro amor. 

A “noite escura”, o momento de aridez ocorre, por exemplo, quando desanimamos de rezar. Parece que nossa oração foi uma porcaria. 

Nos momentos de consolação, a nossa oração flui, não sentimos o tempo passar e a prática de virtudes fica mais fácil. Sentimos a presença de Deus e esse fato nos leva a rezar com gosto, dedicação e fervor. Contudo, quando entramos numa fase de aridez espiritual vivemos um estado de secura, desânimo, e até de “esfriamento da fé”. Ou seja, mesmo sem querer, somos tomados por uma sensação de ter perdido a fé e os momentos de oração tornam-se enfadonhos. 

Aí começa a verdadeira “prova de fogo”. Se diminuirmos o tempo de oração, por exemplo, ou deixarmos de ir à Missa, confirmaremos que ainda estamos presos unicamente à satisfação de nossos prazeres momentâneos e não ao Criador. A aridez espiritual é, portanto, um importante medidor para sabermos a quantas anda nossa fé. 

Mesmo não compreendendo, não obtendo satisfação ou não encontrando consolação, temos de rezar sempre, na mesma quantidade, não importa se sentimos prazer ou não. 

Santa Tereza de Ávila passou 20 anos de “noite escura”, a ponto de ser tomada por dúvidas acerca da presença real de Jesus na eucaristia, mas nunca deixou de comungar. Santa Teresa de Calcutá viveu uma tremenda aridez espiritual, a ponto de escrever a seu confessor: “Não pense que a minha vida espiritual é um mar de rosas, essa é a flor que raramente encontro no meu caminho. Bem pelo contrário, tenho mais frequentemente como companheira a ‘escuridão’. E quando a noite se torna muito densa - e parece que vou acabar no inferno - aí, eu simplesmente me ofereço a Jesus. Se Ele quiser que eu vá para lá - estou pronta - mas só sob a condição de que isso O faça realmente feliz”. Embora a ausência de Deus tenha tomado grande parte de sua vida espiritual, ela viveu perfeitamente a sua fé, em nenhum dia deixou de orar e de sair pelas ruas reconhecendo a face do Cristo no rosto dos pobres e de cuidar deles. E diz ela a respeito do Senhor: “Amei-O cegamente, totalmente, somente. Uso todo o poder em mim mesma – apesar dos meus sentimentos, para fazer que Ele seja pessoalmente amado pelas irmãs e pelos outros. Vou deixá-Lo ter toda a liberdade comigo e em mim”. 

Isso demonstra que a fé não se reduz a um sentimento, muito menos a sentimentalismo, tão pouco à consolação espiritual. 

Se pensamos que Deus está distante, estamos cometendo um erro em nossa espiritualidade. Deus não se distancia, nós é que não estamos sentindo o amor. O silêncio de Deus certamente dói demais, mas não quer dizer que Ele não esteja presente por meio do Seu amor. São João da Cruz dizia: “O amor não consiste em sentir grandes coisas senão em ter grande desnudez e padecer pelo Amado”.

O momento em que entramos numa aridez pode ser um momento de profundo progresso espiritual, se, ao caminharmos na “noite escura”, dissermos como Santa Teresa de Calcutá: “Senhor, seja a minha luz”. 

Na “noite escura”, aprendemos a amar a Deus por ele mesmo e não pela consolação ou pelo que Ele possa dar. Temos muita coisa para aprender e crescer espiritualmente neste tempo. Aprendemos a crer em Deus, confiar e esperar trabalhando, contribuindo, lutando, rezando, vigiando, comungando e amando. 

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